Artigo A Disputa Pública em Torno da Definição de um Marco Legal para Regularização Fundiária
Publicado em 2023, o artigo “A Disputa Pública em Torno da Definição de um Marco Legal para Regularização Fundiária”, de Camila Penna de Castro, busca explicar a controvérsia em torno da mudança na legislação brasileira de regularização fundiária, e indica que a discussão principal é sobre quem tem o direito legítimo de pleitear terras no contexto da política agrária brasileira.
Enquadrada como “MP da Grilagem”, a Medida Provisória 910 foi proposta por Bolsonaro em 2019, visando modificar a legislação existente sobre a regularização de terras da União e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Diversos setores da sociedade mobilizaram-se contra e a favor da medida, que se transformou em dois Projetos de Lei - PL 510/2021 e 2.633/2020 - debatidos no Senado Federal.
De um lado da disputa de narrativas estavam a classe artística, organizações socioambientais, movimentos agrários, pastorais da igreja católica, movimentos indígena e quilombola. Do outro, canais de comunicação e organizações ligados ao agronegócio. Ambos os lados alegavam almejar a proteção do meio ambiente, com abordagens opostas. Enquanto uns argumentavam que a lei ajudaria a controlar o desmatamento ilegal, outros acreditavam que ela incentivaria o desmatamento.
Apoiando-se no método da cartografia das controvérsias, o artigo procura elucidar os termos da disputa, as articulações entre diferentes sujeitos e as propostas de estabilização na forma de um texto legal, com o objetivo de compreender como as mudanças na lei eram justificadas ou combatidas, de que forma e por quem.
Arquivos da tramitação legal, como textos dos projetos de lei e gravações das reuniões de trabalho e das audiências públicas nas comissões, foram tomados como material primário da pesquisa. Permitindo conhecer os mediadores, suas conexões, argumentos e provas apresentados, as audiências públicas foram especialmente importantes, assim como entrevistas em podcasts e lives disponíveis no Youtube.
O mapeamento da controvérsia permitiu identificar a formação de alianças pouco usuais entre grupos que nem sempre estão próximos, como o movimento socioambiental e os movimentos agrários, ou mesmo que já ocuparam polos opostos em outras disputas, como a Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA) e a União Democrática Ruralista (UDR).
Ao debruçar-se sobre a história da ocupação do território brasileiro e suas estabilizações legais, o estudo identificou a Lei de Terras, de 1850, como ponto central para um entendimento mais amplo da disputa.
Segundo a autora, ao determinar que a forma de aquisição de terras devolutas do Império passa a ser a compra, e não mais a concessão, a Lei de Terras fundamenta o projeto de embranquecimento da população brasileira. Estabelecendo que os recursos advindos da venda de terras a particulares seriam empregados em estratégias de colonização por imigrantes europeus, a lei conectou o direito à posse de terra à raça.
Ao longo dos séculos, diferentes formas de ocupação da terra e de relação com os ecossistemas foram sendo estabelecidas, como a formação de “territórios quilombolas”. A alusão ao “desbravamento” do território brasileiro pelos colonos, por setores favoráveis à nova legislação, pretende validar a exploração agropecuária da terra como forma legítima para se pleitear o direito a ela. O artigo sustenta que esta justificativa opera numa lógica de racialização do uso da terra.
A pesquisa conclui que as populações menos brancas ou tradicionais continuam a ser preteridas no acesso à terra, enquanto a narrativa racializada do progresso se torna cada vez mais dominante.
Sobre a autora
Camila Penna de Castro é professora do Departamento de Sociologia e membro dos programas de pós-graduação em Sociologia e em Políticas Públicas da UFRGS. Trabalha com pesquisa em sociologia rural, movimentos sociais, políticas públicas, América Latina e teoria social.
FICHA TÉCNICA
Título: A Disputa Pública em Torno da Definição de um Marco Legal para Regularização Fundiária Autora: Camila Penna de Castro Ano de lançamento: 2023 Onde ler: https://www.scielo.br/j/dados/a/4ShRdfkdcCBxLL75spR7Mnc/?format=pdf&lang=pt